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A manhã de primavera inundada de sol era o convite à quietude. Adônis faz questão da boa convivência, acena para um e outro com o melhor semblante. Embora tenha uma certeza: se uma casa é considerada mal-assombrada, os moradores se transformam em fantasmas aos olhos de quem a olha. Não, nunca quis assombrar ou ser importunado. Bastava ter que suportar as corujas-mecânicas de dentes afiados e ameaçadores que vagam pelos telhados. Malabaristas da casa ancestral. Vigias impiedosas e rotineiras.

 

A prosa de Eltânia André é densa, urdida para apanhar o leitor no contrapé. Com diversas referências da mitologia, da literatura, da filosofia, da música, de outras artes, estes textos cativam pelo lirismo e pela abrangência de temas e situações. Para além do necessário olhar progressista, feminino e feminista, as personagens destas histórias suportam dilemas profundamente humanos e, portanto, carregam, em suas errâncias, questões universais. O que venho denominando de “projeto literário” está muito claro neste livro: a dualidade subvertendo a crença no maniqueísmo, a procura da identidade, as intervenções do narrador na trama, a língua submissa à cultura, as limitações morais e religiosas travando a libertação dos sentidos, a abordagem de assuntos atuais, sem, no entanto, se render a modismos temáticos, a transgressão da linguagem. Uma escritora completa, com uma carreira consolidada, que sabe como e por que escrever. Nestes Corpos luminosos, Eltânia André resgata a animalidade do homem, levando-o à perda não só da própria identidade, mas também de tudo aquilo que poderia diferenciá-lo das demais criaturas. O racionalismo de Escher, que aparece nas narrativas, questiona a essência mundana e, paradoxalmente, leva o homem a se apequenar diante de diversos outros animais, inclusive os considerados, por ele próprio, insignificantes. É dessa liberdade que se trata, desses grilhões que a logicidade erigiu para fugir do vulgar. Que saída senão abandonar tudo, sempre? Os heróis desta obra são corpos em desconstrução, luminosos de crenças e crendices, mas não iluminados, — Deus, um fantasma que mais aterroriza do que consola. Trazendo contos longos, outros menores, minis, micros, Eltânia André apresenta ao leitor diversas técnicas — do realismo cru ao mágico, monólogo interior, fluxo de consciência, sempre com competência e refinamento. Apesar das questões abordadas, do ceticismo disfarçado, do niilismo até, de uma desesperança calculada, o leitor encontrará prazer no estilo, na abordagem, se identificará com as protagonistas, sentirá, por fim, um incômodo prazeroso, uma inquietação diluída em doses de ironia, algumas vezes de cinismo e de humor. Exemplo disso é encontrado em pessoas que lambem os ossos das asas de um morcego, em Wuhan, em uma mulher que escolhe se tornar Rita Lee ou em um marceneiro, um pouco surdo, que decide fabricar violas. Tudo aparenta estar em constante construção, nada é permanente ou completamente realizado, os protagonistas destas agonias estão em movimento constante rumo a uma individualidade que jamais será alcançada.

Whisner Fraga

 

 

Eltânia André é autora de Meu nome agora é Jaque (contos, Rona Editora, BH, 2007), Manhãs adiadas (contos, Dobra Editorial, SP, 2012), Para fugir dos vivos (romance, Editora Patuá, SP, 2015), Diolindas (romance, Editora Penalux, SP, 2016, escrito em parceria com Ronaldo Cagiano), Duelos (contos, Editora Patuá, SP, 2018) e Terra Dividida (romance, Editora Laranja original, SP, 2020).

 

Detalhes do produto

  • Editora ‏ : ‎ Editora Urutau; 1ª edição (2022)
  • Idioma ‏ : ‎ Português do Brasil
  • Capa comum ‏ : ‎ 88 páginas
  • Isbn: 978-65-5900-226-9
  • Dimensões ‏ : ‎ 13x19 cm

Corpos luminosos - Eltânia André

SKU: 9786559002276
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