O instante exato em que, ainda longe da vista de todos, uma bailarina se decide a entrar no palco: é agora.
A possibilidade de andar para trás num vídeo, os gestos tornando-se sobre-humanos quando executados na sequência inversa.
Ao cingir um nó, a tensão dos braços em direção contrária um ao outro, para fora, até serem puxados para o centro pela força do nó que se aperta.
O momento em que alguém que corre olha para baixo, para os seus pés, para as suas pernas, não as sentindo como suas.
A tensão na vara de uma funambulista; aparentemente inerte, mas em tensão forte e delicada, de uma ponta à outra, mantendo o equilíbrio do corpo que a segura.
Os saltos que o barco dá em resposta à passagem de uma onda por baixo da sua quilha. O ímpeto com que as pessoas que o barco transporta se elevam, e depois caem.
O impulso do nosso corpo quando o comboio trava: a inércia forçando o tronco a avançar um pouco mais, ainda que a máquina que nos envolve se estanque.
Pousados nas prateleiras das estantes, alinhados por uma ordem caprichosa ou impecavelmente racional (alfabética, cronológica, às vezes secreta e enigmática), os livros podem parecer objetos estáticos. Fixos entre capa, lombada e contracapa, com os cadernos colados ou cosidos, os livros repousam, iguais a si próprios, num silêncio obstinado. Mas basta alguém abri-los e seguir de linha em linha para o tempo surgir, e a passagem das horas, e a transformação de todas as coisas. Nesse instante, percebemos que nada é estático no livro, que nele tudo se move e se muda, e que nós próprios mudamos com ele, graças a ele. Ler é uma experiência do movimento, o movimento é uma experiência da transformação.
Chama-se precisamente Em movimento este belo livro de estreia de Ana Sabino Moura. São vinte e três histórias, quase uma por cada hora do dia, mais um prólogo e um epílogo, como que abrindo, como que fechando. São histórias de seres sozinhos ou acompanhados, corajosos ou assustados, quantas vezes contemplativos ou surpreendidos com os seus próprios gestos. Alguns estão no limiar de uma viagem que ainda mal começou, outros recordam viagens terminadas; todos, todas — se definem por um percurso, que às vezes é desejo e às vezes é memória.
Mas chega a ser enganador colocar a questão nestes termos, como se houvesse, por um lado, a viagem, e, por outro, o viajante; como se existissem corpos separados dos espaços, identidades fixas atravessando o mundo. Este livro ensina a pensar de outro modo, ou seja: que nós somos as próprias viagens que fazemos e os percursos que traçamos. Não se pode separar a viagem do viajante: o nosso nome é apenas a memória de todos os nossos gestos — recuperar um objeto perdido, ganhar uma corrida, conhecer o desconhecido, reencontrar a pessoa amada. Gestos simples, mas essenciais: gestos em que cada personagem aposta a totalidade da sua vida, decidindo assim o sentido dos seus dias.
Como bem sabe uma destas personagens, estamos em movimento perpétuo: o mundo não existe, transforma-se sem descanso na insistência dos nossos passos. Ou no intervalo das folhas, no livro em movimento.Pedro Eiras
Ana Sabino Moura é doutorada em Materialidades da Literatura pela Universidade de Coimbra e mestre em Teoria da Literatura pela Universidade de Lisboa. Antes de se dedicar totalmente à literatura e ao ensino, estudou Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e trabalhou como designer para várias editoras e museus como o Museu Nacional de Arte Antiga e a Fundação Calouste Gulbenkian, através do atelier FBA, em Coimbra. Viveu também em São Paulo, onde trabalhou na editora Cosac Naify. Atualmente, vive e escreve no Porto, cidade onde nasceu. Em movimento é o seu primeiro livro de ficção.
Detalhes do produto
- Editora : Editora Urutau; 1ª edição (2025)
- Idioma : Português
- Capa comum : 162 páginas
- ISBN: 9786559009510
- Dimensões : 14x19,5 cm
Em movimento - Ana Sabino Moura
- Até 5 dias úteis.




































