Esta obra reúne artigos e conferências do antropólogo e filósofo Jesús Martín-Barbero, considerado o precursor dos estudos culturais latino-americanos. Produzidos entre fins da década de 1990 e meados dos anos 2010, os textos acompanham o período da popularização em alcance mundial das novas tecnologias informacionais e expõem a violenta realidade dos jovens colombianos, que extrapola as fronteiras e se assemelha, em aspectos diversos, à realidade das juventudes dos países vizinhos, entre eles o Brasil. Organizado por Carles Feixa e Mònica Figueras-Mas, o livro traz análises complementares de Néstor García Canclini, Nilda Jacks e Daniela Schmitz, Omar Rincón e Rossana Reguillo.
Contracapa
Jesús Martín-Barbero, Jesús, como gostava de ser chamado, é muito mais do que o fundador dos estudos culturais latino-americanos, ou, como alguns também o situam, o artesão que posicionou as teorias da comunicação e da mídia sob bases humanistas, plurais e socialmente implicadas, sem ceder a mediacentrismos. Dos meios, deslocou-se às mediações, às lógicas culturais, aos usos e apropriações. Indo além dessas alcunhas, esse autor brilhante e pesquisador incansável, dotado de uma verve única, o que tornava suas conferências acontecimentos inesquecíveis, propunha algo ainda maior. Seu saber quente, que mergulhava e imergia na cultura em suas expressões processuais e cotidianas, tomava por observatórios do social fenômenos e sujeitos impuros, “menores”, ou aqueles menosprezados por intelectuais empedernidos e por cientistas afeitos ao estável, ao organizável e ao categorizável. Assim, elegeu como alguns desses observatórios fulcrais as juventudes, as tecnicidades, as urbanidades, que percebia em suas manifestações vitais e abordava sem melindres e sem essencialismos.
Talvez tenha sido um dos primeiros, em sinergia transatlântica com Edgar Morin, a falar das juventudes no plural, para além das representações midiáticas e dos dualismos. Não as demonizava, não as endeusava. Mas perseguia suas epistemes. Suas estéticas. Suas ambivalências. Suas astúcias e angústias. Via ali conhecimento. Aprendizados. Pedagogias existenciais outras.
O “cartógrafo mestiço”, como o chamou com afeto e precisão Rossana Reguillo, sua comparsa de insubordinações reflexivas que assina o precioso epílogo desta obra, foi, antes de mais nada, um auscultador de sinais, um colecionador de pistas, um inventor de metáforas. Foi desde a cultura em seus usos e apropriações que Martín-Barbero analisava o mundo em que vivia, este mundo irremediavelmente impregnado da comunicação e de suas materialidades. Não por acaso, os conceitos nucleares que dão base à estrutura argumentativa dos capítulos que compõem este livro remetem a tessituras comunicacionais plásticas, a saber, o palimpsesto e o hipertexto, eles mesmos metáforas-observatórios da contemporaneidade.
Já na introdução do livro, o próprio Martín-Barbero destaca: “bem cedo encontrei na juventude um veio fundamental de compreensão das mudanças que a sociedade inteira estava vivendo”. Com seu tirocínio e seu humor fino, ele, de fato, não foi apenas um acadêmico. Nunca deixou de estudar, nunca deixou de se interessar pelo novo, pelo desconhecido e mesmo pelo que lhe parecia talvez incompreensível. Intelectual envolvente e engajado, encantava os jovens estudantes com quem interagia, invariavelmente impactados com a atenção com que o experiente mestre os escutava. Fui uma dessas jovens pesquisadoras, e desse contato resultou um aprendizado inestimável de que os grandes mestres não são olimpianos nem inacessíveis.
Toda essa vivacidade e inquietação expressam-se também em uma perspectiva epistemológica particular. Néstor Garcia Canclini refere-se a Jesús e a seu “modo de refletir indisciplinadamente” no prefácio do livro, indicando a vasta implicação entre política, vida e experiência nos escritos de Martín-Barbero. Em caminho similar dá-se a reflexão filosófica sobre as tecnologias e as mutações no campo da educação, podendo traçar-se um paralelo, na leitura de Martín-Barbero, entre os desafios pedagógicos e os desafios no plano democrático. Para Jesús, ambos deveriam ser pautados pela busca de novos regimes de emancipação, autonomia, inteligibilidade e cidadania – uma cidadania outra, comunicacional, corporal, sensorial, sensível e subjetiva.
Sua paixão pela cidade e pelas imagens também atravessa a escrita, compilada, aos moldes curatoriais, por Carles Feixa e Mònica Figueras-Maz. Lendo-as a contrapelo, Martín-Barbero nelas percebe as forças abissais, mas igualmente as potencialidades libertárias, e nessas passagens situa sua crítica às audiovisualidades no âmbito de uma crítica à globalização, preocupação da qual já se ocupara em obras anteriores.
As narrativas impregnadas de relatos vitais que constituem este livro, como em uma grande anamnese biográfica e coletiva, revelam um pesquisador visionário que mobiliza temas ainda atuais, antevendo problemáticas como a das políticas identitárias, a visada sudaca e os debates de sexualidade e gênero. Jesús já não está mais entre nós, tragicamente vitimado pela covid-19 no ano de 2021. É um alento reencontrá-lo tão pulsante nesta escrita. O mestre de sorriso fácil e olhar curioso, como se vê neste livro, mirava com horror e indignação a degradação da vida e das relações sociais, colocando em franca suspeição os Estados modernos. Todavia, acreditava na potência da estética e das mutações tecnoculturais. Acompanhá-lo em ambos os fluxos é um prazer e um privilégio. Boa jornada!
Rose de Melo Rocha (Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP, pesquisadora da Clacso e líder do GP Juvenália).
Jesús Martín-Barbero foi semiólogo, antropólogo e filósofo colombiano. Foi um teórico e pesquisador da comunicação e cultura e um dos expoentes nos Estudos Culturais contemporâneos.
Carles Feixa é professor visitante em Roma, Cidade do México, Paris, Berkeley, Buenos Aires, Santiago do Chile e Newcastle. Especializado em culturas juvenis, realiza trabalhos de campo na Catalunha e no México.
Mònica Figueras-Maz é professora titular do Departamento de Comunicação da Universitat Pompeu Fabra (UPF).
Néstor García Canclini é sociólogo, filósofo e antropólogo cultural, pesquisador das áreas de comunicação, estudos culturais e sociologia. Professor, entre outras, da Universidad Autónoma Metropolitana, México.
Rossana Reguillo Professora pesquisadora no Departamento de Estudos Socioculturais no Instituto de Estudios Superiores de Occidente (Iteso) em Guadalajara, México. Coordenadora do programa de pesquisa em Estudos Socioculturais nessa mesma instituição.
Detalhes do produto
- Editora : Edições Sesc; 1ª edição (1 fevereiro 2023)
- Idioma : Português do Brasil
- Capa comum : 200 páginas
- ISBN-10 : 6586111730
- ISBN-13 : 978-6586111736
- Dimensões : 16.3 x 1 x 23 cm
Jovens entre o palimpsesto e o hipertexto - Jésus Martín-Barbero
Download As PDF
- Até 5 dias úteis.