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Após mais de três décadas de sua produção original, o livro Festas populares no Brasil, de Lélia Gonzalez, chega às livrarias de todo o país pela editora Boitempo. Trata-se do único livro que a pensadora, acadêmica e militante do movimento negro brasileiro, publicou em vida exclusivamente como autora. Escrita em 1987, a obra apresenta registros fotográficos de festas populares do Brasil de norte a sul com textos informativos que apresentam as marcas da herança africana na cultura brasileira, a integração entre o profano e o sagrado e a reinvenção das tradições religiosas na formação do imaginário cultural brasileiro.

Premiada internacionalmente na época de sua publicação, a obra continua pouco citada e pouco conhecida no Brasil, inclusive por nunca ter ido ao mercado livreiro. Como argumenta Raquel Barreto, no prefácio à nova edição da obra, esse esquecimento não é fortuito, mas sim um capítulo do violento apagamento da sua produção intelectual. Como forma de se contrapor a esse processo, a edição da Boitempo recupera o texto integral de Lélia com um novo projeto gráfico, novas fotografias e outros materiais inéditos, tais como textos de apoio de estudiosas como Raquel Barreto e Leda Maria Martins, entre outros.

Festas populares no Brasil distancia-se apenas aparentemente do conjunto da produção intelectual de Lélia, marcada pela reflexão política sobre a realidade nacional e pelo debate teórico pioneiro a respeito das intersecções entre raça, classe e gênero. Afinal, na apreciação geral das proposições da obra, o que se revela é uma intérprete do Brasil que definiu a cultura enquanto um de seus temas centrais. Nas palavras da autora, “se a gente detém o olhar em determinados aspectos da chamada cultura brasileira a gente saca que em suas manifestações mais ou menos conscientes ela oculta, revelando, as marcas da africanidade que a constituem.”

“Na Bahia, a micaréme francesa só conseguiu se manter porque se transfigurou na micareta bem brasileira de Feira de Santana. Em Salvador, o “carnaval africano”, dos Africanos em Pândega, do Papai da Folia, dos Congos da África e de tantos outros afoxés que deixaram saudades continua presente nos famosos Filhos de Gandhy ou no jovem Badauê. Mas a grande renovação ocorreu em meados dos anos 1970, quando, numa superação dos blocos de índio, surgiram os blocos afro, como Ilê Aiyê, o Olodum, o Malê Debalê e tantos outros; atraindo milhares de jovens para seu “carnaval ijexá”, eles acrescentam uma nova forma de africanidade ao Carnaval baiano, influenciando-o de maneira decisiva. Os afoxés, no passado, estenderam sua influência a outros estados, estimulando a criação de grupos similares; no Rio de Janeiro, por exemplo, foi criado o Afoxé Filhos de Gandhi (que, nos dias de hoje, participa da abertura oficial do Carnaval carioca) e, em Fortaleza, o Afoxé Olodumaré. Com os blocos afro acontece o mesmo na atualidade; São Paulo e Rio de Janeiro também têm organizações que se inspiram no modelo baiano, como é o caso do Grupo Afro Agbara Dudu, na capital carioca”.

“Se o bumba meu boi ocupa lugar de destaque no quadro do folclore brasileiro, isso acontece porque, ao se adaptar às circunstâncias de lugar e tempo, ele demonstra um extraordinário vigor e uma especial maleabilidade. Cumpre ressaltar que, por isso mesmo, o bumba meu boi foi levado para a África, com todas as suas características brasileiras. Levado da Bahia para a cidade de Lagos, na Nigéria, por ex - escravos que para lá retornaram após a abolição da escravatura. Vale notar que, enquanto “brasileiros”, seus descendentes não deixaram morrer uma tradição que lhes diz respeito”.

“Aqui, mais que em qualquer outro lugar, a noção de ‘deus em nós’ confere plenitude ao significado de festa. As festas afro-brasileiras são o efeito simbólico de um extraordinário esforço de preservação de formas culturais essenciais trazidas de outro continente e que, aqui, foram recriadas sob condições as mais adversas. Afinal, a população negra não veio para o Brasil como imigrante, mas como escrava.
A violência da escravidão caracterizou-se não só pela ruptura dos referenciais básicos da sociedade africana, como pela cuidadosa mistura das diferentes etnias, demonstrando grande eficácia na destruição das estruturas sociais. Aconteceu, porém, que os valores religiosos, tão essenciais nas civilizações africanas, foram resguardados pelos afro-negros brasileiros. Em seu processo de duplo ajustamento à sociedade brasileira, os escravos forjaram uma nova identidade que, de um lado, adaptava-se taticamente às exigências de obediência e fidelidade ao modelo dominante e, de outro, integrava-se de fato às formas de vida e de pensamento que iam sendo elaboradas por sua própria comunidade”.

 

Lélia de Almeida Gonzalez (1935-1994) foi uma importante pensadora e ativista brasileira. Com trajetória marcada por intensa atividade acadêmica, política e cultural, deu aulas na PUC-Rio, onde dirigiu o departamento de sociologia e política, e na EAV, onde ministrou um dos primeiros cursos de cultura negra no país. Além de diversos artigos e ensaios, publicou os livros Lugar de negro (1982), em coautoria com Carlos Hasenbalg, e este Festas populares no Brasil (1987).

 

Detalhes do produto

  • Editora ‏ : ‎ Boitempo Editorial; 1ª Edição; 26 junho 2024
  • Idioma ‏ : ‎ Português do Brasil
  • Número de páginas ‏ : ‎ 176 páginas
  • ISBN: ‎ 9786557173725
  • Dimensões ‏ : ‎ 17 x 3 x 24 cm

Festas Populares no Brasil - Lélia Gonzalez

SKU: 9786557173725
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